O conhecimento sobre o desenvolvimento motor torna-se fundamental
para os profissionais de Educação Física, sobretudo, para àqueles
que atuam dentro do ambiente escolar. De acordo com GALLAHUE &
OZMUN (2001), é o conhecimento das experiências motoras precoces da
primeira infância que torna possível uma melhor compreensão do
desenvolvimento que ocorre antes das crianças entrarem na escola.
Estes autores ainda reforçam que o estudo do desenvolvimento motor
também permite uma maior compreensão sobre o conceito
desenvolvimentista de como os humanos aprendem a mover-se.
HAYWOOD & GETCHELL (2004) afirmam que os
indivíduos, após o nascimento, devem aprender a refinar os seus
movimentos por meio de experiências e mudanças em parâmetros
físicos. GALLAHUE & OZMUN (2001) concordam com a afirmação
realizada por HAYWOOD & GETCHELL (2004) e ainda complementam
explicando que, ao nascer, o bebê é submetido a importantes tarefas
desenvolvimentistas como: a obtenção do controle sobre a
musculatura, o aprendizado de como lidar com a força da gravidade e
o ato de movimentar-se de maneira controlada. Estes fatores
correspondem às habilidades motoras rudimentares que surgem na
primeira infância.
Para GALLAHUE & OZMUN (2001) a seqüência de
aquisição de habilidades motoras é constante na primeira infância
e na infância, mas o ritmo de aquisição é diferenciado de uma
criança para outra. Dessa forma, o início do desenvolvimento motor
não se deve apenas à maturação neurológica, mas também a um
sistema auto-organizado que envolve a tarefa, o ambiente e o
indivíduo. Estes autores também afirmam que as habilidades
motoras rudimentares do bebê são componentes indispensáveis para o
desenvolvimento mais extenso das habilidades motoras fundamentais no
início da infância e também, das habilidades motoras
especializadas da infância posterior e além desta.
Após o nascimento, o bebê passa a interagir com
o meio ambiente lutando contra certas leis da física que restringem
seus movimentos. Esta luta é necessária para este bebê possa viver
neste meio e interagir de forma mais efetiva e eficiente com o mundo
(GALLAHUE & OZMUN, 2001; HAYWOOD & GETCHELL, 2004). Para que
esta interação ocorra de forma otimizada é necessário que o bebê
domine três categorias básicas de movimento: (1) estabilidade, (2)
locomoção e (3) manipulação.
Para GALLAHUE & OZMUN (2001), a estabilidade é
a primeira categoria básica que deve ser dominada pelo bebê para a
sua sobrevivência. Esta consiste de uma constante luta do bebê
contra a força da gravidade com o intuito de atingir e manter a
postura ereta. Estes autores ainda reforçam que estabelecer controle
sobre a musculatura em oposição à gravidade é um processo que
obedece a uma seqüência previsível em todos os bebês. Esta
seqüência inicia com a obtenção de controle sobre a cabeça e o
pescoço e continuam para baixo em direção ao tronco e às pernas.
GALLAHUE & OZMUN (2001) classificam a
estabilidade como a mais básica das três categorias de movimento e
justificam esta classificação em função de que todo movimento
envolve um elemento de estabilidade. Estes autores também apresentam
uma seqüência desenvolvimentista e a idade aproximada do
aparecimento das habilidades rudimentares de estabilidade. O controle
da cabeça e do pescoço é atingido pelo bebê, aproximadamente, no
quinto mês sendo o mesmo, capaz de erguer a cabeça acima do colchão
do berço, quando estiver deitado em posição de supinação. O
controle do tronco é percebido no bebê, aproximadamente, no oitavo
mês, pois este apresenta a capacidade de rolar de bruço para a
posição de barriga para cima. O controle da habilidade de sentar
sozinho torna-se aparente no bebê por volta do oitavo mês e o
controle da tarefa de ficar de pé sozinho (sem apoio) é percebida,
aproximadamente, no décimo segundo mês.
PAYNE & ISAACS (1999) apresentam um
posicionamento semelhante ao de GALLAHUE & OZMUN (2001) com
relação ao controle da cabeça e do tronco. Já, HAYWOOD &
GETCHELL (2004) afirmam que a estabilidade de um indivíduo está
relacionada com a capacidade de resistir ao movimento ou à
perturbação. Esta afirmação corrobora com a opinião de GALLAHUE
& OZMUN (2001) de que existe uma constante luta do bebê contra a
força da gravidade para atingir a postura ereta. No entanto, HAYWOOD
& GETCHELL (2004), apresentam um posicionamento diferenciado com
relação ao desenvolvimento do controle da musculatura para alcançar
a estabilidade. HAYWOOD & GETCHELL (2004), utilizam, apenas, os
princípios do movimento e seus conceitos de estabilidade para
detectar e corrigir erros na técnica de determinada pessoa.
Com relação à locomoção, GALLAHUE & OZMUN
(2001), explicam que o movimento do bebê no espaço depende do
surgimento das habilidades básicas para combater a força da
gravidade, pois a locomoção não se desenvolve independente da
estabilidade e sim com base nela. PAYNE & ISAACS (1999)
corroboram com a explicação de GALLAHUE & OZMUN (2001) e
afirmam que, na medida em que o bebê adquire o controle sobre o
corpo, torna-se mais fácil o desenvolvimento de movimentos de
locomoção. PAYNE & ISAACS (1999), ainda reforçam que o
desenvolvimento da locomoção está diretamente relacionado com a
habilidade do bebê em posicionar-se de forma equilibrada no espaço.
HAYWOOD & GETCHELL (2004), definem locomoção
como o ato ou a capacidade de mover-se de um lugar para outro. Embora
esta definição seja de certa forma, simplista, as autoras deixam
claro que se locomover de um lugar para outro é uma atividade
extremamente complexa que envolve muitos sistemas e restrições que
interagem entre si.
HAYWOOD & GETCHELL (2004), também colocam
que, normalmente, quando alguém pensa em locomoção,
automaticamente, tem o pensamento remetido à forma humana de
locomover-se, ou seja, sobre dois apoios. Entretanto, existem outras
formas de locomoção que antecedem a forma bípede de deslocamento
humano. A primeira delas citadas por HAYWOOD & GETCHELL (2004) é
o ato de rastejar que significa mover-se com o apoio das mãos
tocando o peito e o abdome no solo (rastejo de combate). A segunda é
o ato de engatinhar que significa mover-se apenas com as mãos,
joelhos e pés apoiados no solo. A etapa seguinte da locomoção
humana na visão destas autoras é o ato de caminhar. Para este
movimento é sugerido como uma fase de 50% entre uma perna e outra na
fase adulta, mas apresenta-se bem diferente nos primeiros passos da
criança. Os primeiros passos da criança são independentes, ou
seja, sem uma seqüência ou sincronia com pequenas amplitudes de
movimento na extensão da perna e quadril. Os pés são posicionados
de forma afastada para favorecer o equilíbrio lateral e não são
percebidas rotações do tronco. As autoras consideram que, o
desenvolvimento do equilíbrio bem como da força nos músculos do
tronco e nos músculos extensores do quadril e joelho, possibilitam a
manutenção da postura ereta e permitem um maior controle na
transferência de peso durante a caminhada.
GALLAHUE & OZMUN (2001), assim como para as
tarefas de estabilidade, apresentam uma seqüência
desenvolvimentista para a tarefa de locomoção. Esta seqüência se
assemelha em parte com as formas de locomoção apresentadas por
HAYWOOD & GETCHELL (2004) e PAYNE & ISAACS (1999). Para
GALLAHUE & OZMUN (2001), as tarefas locomotoras são as de
arrastar, engatinhar e andar na postura ereta. O movimento de
arrastar do bebê é a primeira tentativa de locomoção objetiva.
Este surge por volta do sexto mês (podendo também aparecer no
quarto mês) e evolui à medida que o bebê ganha controle nos
músculos da cabeça, pescoço e tronco. Já o movimento de
engatinhar é considerado como uma evolução do movimento de
arrastar e freqüentemente desenvolve-se como uma forma altamente
eficiente de locomoção do bebê. Esta habilidade surge entre o nono
e décimo primeiro mês. O movimento de engatinhar difere do
movimento de arrastar, pois o engatinhar ocorre a alternância ou
oposição de braços e pernas entre si. A locomoção ereta depende
da estabilidade do bebê, pois este deve ser primeiro capaz de
controlar o corpo em pé, antes de dominar as mudanças posturais
dinâmicas necessárias para esta locomoção. As primeiras
tentativas de locomoção na postura ereta ocorrem entre o 10º e 15º
mês e são caracterizadas por larga base de apoio. Os primeiros
movimentos de caminhada são irregulares e hesitantes, ou seja, não
são sincronizados e fluidos e sem o acompanhamento dos braços.
GALLAHUE & OZMUN (2001) explicam que o ato de
caminhar é influenciado por fatores ambientais e que uma criança
não consegue movimentar-se no espaço sem que esteja prontamente
desenvolvida. Dessa forma, torna-se difícil acelerar o processo de
aprendizado da criança a não ser que, a musculatura e o sistema
nervoso desta estejam em estágios avançados de desenvolvimento,
possibilitando uma leve aceleração no processo de locomoção ereta
mediante estímulos ambientais adicionais.
As habilidades rudimentares de manipulação são
abordadas de forma diferenciada por HAYWOOD & GETCHELL (2004) e
GALLAHUE & OZMUN (2001). HAYWOOD & GETCHELL (2004) consideram
como habilidades rudimentares de manipulação os atos de pegar e
alcançar. O ato de pegar é apresentado de forma seqüencial
relacionando os tipos de pegadas e a idade em semanas. Entre os tipos
de pegada estão: (1) sem contato, que ocorre por volta da 16ª
semana; (2) somente contato, que ocorre por volta da 20ª semana; (3)
apertar primitivo, que ocorre por volta da 20ª semana; (4) pegada de
pressão, que ocorre por volta da 24ª semana; (5) pegada da mão,
que ocorre por volta da 28ª semana; (6) pegada palmar, que ocorre
por volta da 28ª semana; (7) pegada palmar superior, que ocorre por
volta da 32ª semana; (8) pegada inferior – dedo indicador, que
ocorre por volta da 36ª semana; (9) pegada de indicador, que ocorre
por volta da 52ª semana; (10) pegada superior – dedo indicador,
que ocorre por volta da 52ª semana. O ato de alcançar, segundo
estas mesmas autoras, é desenvolvido no primeiro ano de vida e é
caracterizado por três fases: (1) pré-alcançar, (2) alcançar
visualmente orientado e (3) alcançar visualmente evocado. A fase de
pré-alcançar transcorre do nascimento até os quatro meses e
consiste de movimentos de extensão disparados por um objeto, mas
tipicamente não apurado o suficiente para contatá-lo. Já, a fase
de alcançar visualmente orientado transcorre dos quatro aos oito
meses e consiste de movimentos de braço em direção a um objeto no
campo visual em que o indivíduo ajusta a mão, enxergando não
apenas o objeto, como também, a própria mão. A fase de alcançar
visualmente evocado inicia a partir dos nove meses e consiste de
movimentos de braço em direção ao objeto estimulado por sua visão,
sem exigi-la, contudo, na conclusão do movimento.
GALLAHUE & OZMUN (2001) consideram como
aspectos básicos da manipulação os movimentos de (1) alcançar,
(2) segurar e (3) soltar. O movimento de alcançar é subdividido em
três etapas distintas: (1) alcance globular ineficaz, ocorre do 1º
ao 3º mês sendo que o bebê não produz movimentos direcionados
para alcançar objetos, embora possa observá-los atentamente e
realizar movimentos de envolvimento globular na direção do objeto;
(2) alcance de procura definido, ocorre por volta do quarto mês
sendo que o bebê começa a realizar os ajustes manuais e visuais
refinados necessários para o contato com o objeto; (3) alcance
controlado, ocorre a partir do 6º mês sendo que, nesta etapa, o
bebê já é capaz de alcançar e fazer contato tátil com objetos do
ambiente.
O ato de pegar á abordado por GALLAHUE &
OZMUN (2001) na forma de classificação, assim como a abordagem de
HAYWOOD & GETCHELL (2004), relacionando os tipos de pegadas com a
idade aproximada em meses. Entretanto, a classificação apresentada
por GALLAHUE & OZMUN (2001) diverge com relação aos tipos de
pegadas e idades aproximadas propostas por HAYWOOD & GETCHELL
(2004). Entre os tipos de pegadas propostos por GALLAHUE & OZMUN
(2001) estão: (1) pegadura reflexiva, que ocorre ao nascimento; (2)
pegadura voluntária, que ocorre por volta do 3º mês; (3) pegadura
palmar com duas mãos, ocorre por volta do 3º mês; (4) pegadura
palmar com uma mão, ocorre por volta do 5º mês (5) pegadura de
pinça, que ocorre por volta do 9º mês; (6) pegadura controlada,
ocorre por volta do 14º mês e (7) ato de comer sem ajuda, que
ocorre por volta do 18º mês.
Com relação ao ato de soltar, GALLAHUE &
OZMUN (2001), consideram dois movimentos básicos: (1) soltura básica
e (2) soltura controlada. Os movimentos de soltura básica surgem
entre o 12º e 14º mês sendo que, nesta etapa, a criança já
domina os elementos rudimentares de soltar objetos da mão. Já, os
movimentos de soltura controlada surgem por volta do 18º mês sendo
que, nesta etapa, a criança já possui controle bem coordenado de
todos os aspectos de soltar.
Paulo Vicente - Personal Trainer
Referências:
GALLAHUE, D. L. & OZMUN, J. C. Compreendendo o
desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e
adultos. São Paulo: Phorte editora, 2001, 641p.
HAYWOOD, K. M. & GETCHELL, N. Desenvolvimento motor ao
longo da vida. Porto Alegre: Artmed Editora, 3ª ed. 2004, 344,
p. 11.
PAYNE, V. G. & ISAACS, L. D. Human motor development: A
lifespan approach. Mountain View, CA: Mayfield, 4º ed., 1999.